quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Avaliação do nível de stress de técnicos da área de saúde

Lúcia Emmanoel Novaes MALAGRIS
Aurineide Canuto Cabraíba FIORITO

Resumo

O objetivo deste estudo foi avaliar o nível de stress dos técnicos da área de saúde da Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória, localizada no Rio de Janeiro. Participaram 34 técnicos de diversos setores, sendo 29 militares e cinco civis, 28 mulheres e 6 homens. Foram utilizados um questionário elaborado pelas autoras e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp. Verificou-se que 82,3% dos participantes encontravam-se estressados, estando 76,9% na fase de resistência e 23% na fase de quase-exaustão e havendo predominância de sintomas psicológicos (69,2%). Encontrou-se 83% de mulheres estressadas e 66,6% de homens. É possível que o stress desses profissionais esteja associado ao fato de trabalharem junto ao público, em contato com o sofrimento alheio e realizarem, além de atividades técnicas, atividades burocráticas e, muitas vezes, militares. Sugerem-se estudos mais aprofundados com número maior de participantes e implantação de programas de controle do stress a fim de se obter melhoria na qualidade de vida.

Palavras-chave: saúde; stress; técnicos.


O stress excessivo tem sido considerado um dos principais problemas do mundo moderno, sendo tema de interesse da Organização Mundial da Saúde. Pode interferir na qualidade de vida do ser humano, levando- -o a uma série de prejuízos (Lipp & Malagris, 2004): problemas de interação social, familiar, falta de motivação para atividades em geral, doenças físicas e psicológicas, além de problemas no trabalho (Lipp, 2004a). Estudos na área do stress ocupacional têm sido realizados nos diversos campos de atuação profissional, tais como: empresarial, educacional, industrial e da saúde
Na área da saúde uma das profissões que vem sendo estudadas é a de técnico, por ser considerada de fundamental importância no contexto hospitalar, facilitando ou dificultando a relação do paciente com sua doença, com os profissionais e com a instituição (Ernst, Messmer, Franco & Gonzalez, 2004; Evans, 2002; Evans & Kelly, 2004). É primordial, portanto, que esse profissional se encontre em condições físicas e psicológicas favoráveis para que possa contribuir positivamente nesse sentido. Dentre os fatores que podem influenciar negativamente tais condições está o stress excessivo, o que justifica o estudo aqui realizado. O objetivo foi avaliar o nível de stress dos técnicos da área de saúde que atuam na Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória, localizada no Rio de Janeiro, além de fazer sugestões que possam contribuir para uma melhoria da qualidade de vida e da atuação desses profissionais, com conseqüentes ganhos para o paciente e para a instituição.

Stress

Os primeiros estudos sobre stress na área da saúde foram realizados na década de 1930, por Hans Selye, que definiu a reação do stress como uma “síndrome geral de adaptação” na qual o organismo visa readquirir a homeostase perdida diante de certos estímulos. Segundo Lipp e Malagris (1995), Selye (1974) redefiniu o termo stress como “resposta não específica do corpo a qualquer exigência”. O stress tem sido objeto de estudo de muitos pesquisadores da área da saúde, já que existe uma preocupação com as conseqüências que ele pode trazer para a qualidade de vida do ser humano (Lipp & Malagris, 2004; Straub, 2005). O stress se constitui um processo que contribui para a adaptação do organismo perante situações de risco (Lipp & Malagris, 1995), logo, em si, não é um problema e sim uma solução, no entanto, quando excessivo, esse processo de adaptação pode se transformar em um risco para o indivíduo. O stress pode ser definido como: “uma reação do organismo, com componentes físicos e/ou psicológicos, causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que, de um modo ou de outro, a irrite, amedronte, excite ou confunda, ou mesmo que a faça imensamente feliz” (Lipp & Malagris, 2001, p.477). Parece difícil entender porque uma situação agradável pode provocar stress e desencadear uma série de reações psicofisiológicas, como se fossem eventos ruins. A explicação está relacionada à necessidade de adaptação que é experienciada em momentos de mudança para melhor ou para pior. Além da importância da adaptação às mudanças, é importante também considerar a interpretação que se dá aos eventos (Lazarus & Folkman, 1984). Em geral, os eventos não são em si estressantes ou não, o que vai determinar essa condição é o modo como são interpretados (Straub, 2005). As interpretações estão relacionadas com as experiências de vida de cada um (Lipp & Rocha, 1996).

Fases do stress

Os estudos de Selye (1965) o levaram a concluir que o processo do stress é constituído de três fases: alerta, resistência e exaustão. A primeira fase - alerta - acontece no momento em que a pessoa se depara com a fonte estressora e, nesse enfrentamento, se desequilibra internamente, apresentando sensações características, tais como sudorese excessiva, taquicardia, respiração ofegante e picos de hipertensão. A segunda fase - resistência - caracteriza-se por uma tentativa de recuperação do organismo após o desequilíbrio sofrido na fase anterior. Nesse momento ocorre um gasto de energia que pode ocasionar cansaço excessivo, problemas de memória e dúvidas quanto a si próprio (Lipp & Malagris, 2001). Caso o equilíbrio não seja readquirido por meio dessa mobilização, o processo pode evoluir para a terceira fase - exaustão -, quando ressurgem sintomas ocorridos na fase inicial, no entanto com maior agravamento. Importante ressaltar que na fase de exaustão ocorre um grande comprometimento físico que se manifesta em forma de doenças (Lipp & Novaes, 1996). Convém salientar que apesar de Selye ter identificado apenas as três fases de stress citadas, Lipp (2000; 2003) em estudos posteriores identificou, clínica e estatisticamente, uma quarta fase do stress denominada de quase-exaustão, localizada entre as fases de resistência e exaustão. A fase de quase-exaustão ocorre no momento em que a pessoa não mais consegue adaptar-se ou resistir ao estressor, podendo começar o aparecimento de doenças devido ao enfraquecimento do organismo. Nessa fase a produtividade do indivíduo encontra-se bastante comprometida, mas não tanto quanto na fase de exaustão, quando ele já não consegue produzir, tendo sérias dificuldades de trabalhar e/ou concentrar-se e doenças podem se estabelecer de maneira grave (Lipp, 1998; Lipp, 2004c; Lipp & Malagris, 2001).

Fontes de stress

As fontes de stress são os estressores, definidos por Lipp e Rocha (1996, p.64) como “qualquer evento que confunda, amedronte ou excite a pessoa”. Tais eventos são estímulos que podem ser de origem interna ou externa ao indivíduo. Segundo Lipp e Malagris (1995, p.280), os estímulos internos são: “tudo aquilo que faz parte do mundo interno, das cognições do indivíduo, seu modo de ver o mundo, seu nível de assertividade, suas crenças, seus valores, suas características pessoais, seu padrão de comportamento, suas vulnerabilidades, sua ansiedade e seu esquema de reação à vida”. Já os estímulos externos se referem aos acontecimentos da vida da pessoa, tais como: dificuldades financeiras, acidentes, mortes, doenças, conflitos, questões político-econômicas do país, ascensão profissional, desemprego e problemas de relacionamento no trabalho (Lipp & Malagris, 1996; 2001). A associação entre os estímulos internos e externos, além das estratégias de enfrentamento do indivíduo, vai determinar se ele vai desenvolver stress excessivo ou não. A interpretação inadequada dada aos eventos é um dos principais fatores contribuintes para o desenvolvimento do stress excessivo (Lazarus & Folkman, 1984; Straub, 2005). No entanto alguns acontecimentos são intrinsecamente estressantes, tais como calor, frio, fome e dor (Everly, 1989).

Sintomas do stress

O Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (Lipp, 2000, 2004b) nos proporciona a identificação da sintomatologia apresentada pelo paciente, verificando a presença ou não de sintomas de stress, o tipo presente (somático ou psicológico) e em qual fase do stress se encontra o indivíduo. Esse inventário tem embasamento nos princípios de Selye, sendo de grande importância no nível clínico, uma vez que possibilita um diagnóstico rápido de stress, proporcionando uma ação terapêutica imediata (Lipp, 2004b; Lipp & Malagris, 1995; 2001). Embora existam sintomas comuns no stress que também estão presentes em outras doenças, é de grande valia mencionar alguns sinais comumente presentes em quadros de stress. Alguns dos sintomas de stress são de fácil identificação (respiração rápida, sudorese palmar, taquicardia, hiperacidez gástrica, inapetência, cefaléia), outros são mais sutis (dificuldade de relacionamento interpessoal, sensação de estar doente sem presença de distúrbio físico, desinteresse por qualquer atividade não relacionada ao motivo causador do stress) (Lipp & Malagris, 2001). O stress, por meio da interação entre corpo e mente, provoca reações hormonais que desencadeiam no corpo notáveis modificações físicas e emocionais tão interligadas que, freqüentemente, o que é de origem psicológica se manifesta no corpo ou vice-versa. Emocionalmente, o stress é capaz de produzir uma série de sintomas, tais como apatia, depressão, desânimo, sensação de desalento, hipersensibilidade emotiva, raiva, ira, irritabilidade e ansiedade, além disso, pode, em pessoas predispostas, ter o potencial para o desencadeamento de surtos psicóticos (Lipp & Novaes, 1996). Os sintomas descritos acima quando fazem parte de um quadro de stress desaparecem no momento em que ocorre a redução do stress para níveis toleráveis. O stress não apenas desencadeia os sintomas descritos acima, mas contribui também para a etiologia de diversas doenças de maior gravidade (Straub, 2005). Estudos revelam que o nível de stress em que se encontra uma pessoa afeta diretamente sua qualidade de vida afetiva, social, profissional e sua saúde. O stress está presente na ontogênese de várias doenças já estudadas, seja como um fator contribuinte, seja como o desencadeador; dentre elas, podemos citar: hipertensão arterial essencial, retração das gengivas, úlceras gastroduodenais, colite ulcerativa, câncer, psoríase, vitiligo, lúpus, obesidade, depressão, pânico, surtos psicóticos, tensão pré-menstrual, cefaléia, herpes simples, doenças imunológicas, doenças respiratórias (Lipp & Malagris, 1995). É importante assinalar que o stress não é a causa das doenças, mas a ação agravante ou desencadeadora da doença (Malagris, 2004a).

Conseqüências do stress excessivo

Importante ressaltar as possíveis conseqüências para a vida do indivíduo vítima de stress excessivo. Especialmente importante é considerar as conseqüências do stress para as mulheres que em vários estudos realizados (Lipp & Malagris, 2004) revelam-se mais estressadas do que os homens. Como enfatizam Lipp e Malagris (2001), altos níveis de stress podem influenciar negativamente o bem-estar físico e emocional das pessoas. Tais influências podem gerar problemas de ajustamento social, familiar/afetivo, de saúde e profissional. No que se refere a aspectos sociais, observa-se, de acordo com Santos e Rocha (2003), uma tendência ao isolamento do indivíduo do contato humano, além de conflitos interpessoais. Quanto às conseqüências familiares verifica-se que as reações do stress do indivíduo podem contribuir para a saúde física e mental de todos os membros da família (Tanganelli, 2001). Na área da saúde é possível verificar uma variedade de doenças que podem ser desencadeadas a partir de um stress excessivo. Tais doenças são decorrentes das alterações psicofisiológicas que ocorrem e são associadas às predisposições individuais (Lipp & Malagris, 2001). No que se refere às conseqüências na área profissional, observa-se absenteísmo, atrasos, desempenho insatisfatório, queda da produtividade, problemas de relacionamento (Fontana, 1994; Santos & Rocha, 2003). Como anteriormente mencionado, o stress vai se desenvolver ou não como conseqüência da relação entre os estímulos internos, externos e das estratégias do indivíduo. Tais estratégias podem já fazer parte do repertório comportamental e cognitivo da pessoa, no entanto nem sempre isso ocorre. Muitas vezes é preciso desaprender maus hábitos e aprender novos valores, novos modos de pensar e enfrentar a vida, buscando uma visão mais positiva. Lipp, Romano, Covolan e Nery (1987); Lipp e Malagris (2001) e Lipp (2004b) sugerem que o indivíduo aprenda a reavaliar os estressores a fim de que possa interpretá-los de modo mais otimista e realista, além de aumentar a resistência pessoal aos estressores.

O técnico da área de saúde e o stress

 O stress pode estar presente em profissionais de diversas áreas, o que é estudado pela designação de stress ocupacional. Martins et al. (1996) enfatizam que o stress ocupacional se refere a um desconfortável estado emocional decorrente de fatores presentes no trabalho e é caracterizado por sintomas como tensão, ansiedade e sentimentos de frustração, podendo chegar à exaustão emocional. Além desses sintomas, Mello (1992) enfatiza pessimismo, insatisfação crescente, falhas e ineficiência. Segundo Martins et al. (1996), se as necessidades tanto individuais como organizacionais presentes no ambiente de trabalho não forem satisfeitas, podem ocorrer problemas de adaptação variados, incluindo conflitos associados a necessidades opostas de ambos os lados. Dentre os problemas que podem surgir, os autores sugerem: desligamento da empresa, perda de promoções ou o isolamento na carreira (Malagris, 2004b). Convém enfatizar que conflitos relacionados à liderança autoritária ou falta de autoridade, incompatibilidades, limites não muito claros, desumanização no trabalho, mecanização e burocratização, pressões e excesso de trabalho podem contribuir para insatisfações individuais e falta de realização pessoal e profissional. Martins et al. (1996, p.4) se referem a alguns indicadores para detecção de pessoas com comprometimento em seu desempenho profissional, tais como: ...queda de eficiência, ausências repetidas, insegurança nas decisões, sobrecarga voluntária de trabalho, aumento do consumo de cigarros, bebidas, alimentos e drogas, uso abusivo de medicamentos ou agravamento de doenças. Embora pareça claro que todas as profissões são passíveis de contribuir para o desenvolvimento do stress ocupacional, os técnicos da área de saúde podem ser bastante vulneráveis devido às suas atribuições. Eles podem atuar em diversas especialidades e em diversos setores, incluindo: enfermagem (em várias especialidades médicas), reabilitação e laboratório. Tanto os técnicos que atuam em enfermarias (Gómez et al., 2005) como os que atuam nos demais setores de um hospital estão em contato com muitos estímulos que podem ser vistos como estressores, tais como: o sofrimento alheio, sentindo-se, muitas vezes, impotente; falta de adesão ao tratamento por parte de alguns pacientes; convívio com o stress do paciente, da família, dos demais profissionais de saúde e com o seu próprio, sem que, muitas vezes, esteja devidamente preparado para isso.Martins et al. (1996) mencionam o estudo de Candeias, realizado em 1992, sobre o stress de atendentes de enfermagem, que concluiu que os principais estressores desses profissionais seriam: dificuldade de execução de tarefas (trabalho não planejado, trabalhar sempre no mesmo local); dificuldades de relacionamento interpessoal; falta de tempo (ter atividades cansativas depois do horário de trabalho, fazer plantões nos finais de semana, ter acúmulo de atividades havendo prejuízo no atendimento ao paciente); supervisões incompetentes (ser avaliado negativamente e não ter aspectos positivos de sua atuação valorizados); distância entre domicílio e local de trabalho; angústia devido à dor dos pacientes; insegurança financeira e ser responsável por pessoas. Tudo isso pode levar a um prejuízo na qualidade de vida do profissional de enfermagem contribuindo para doenças variadas. Reis (1986), num estudo sobre esses profissionais, especialmente sobre o auxiliar de enfermagem e o atendente hospitalar, enfatiza que, como conseqüência dos problemas de saúde desses profissionais, há dificuldade de manter a qualidade da assistência de enfermagem prestada ao hospital devido ao absenteísmo, às limitações no desempenho das funções, além de restrições em trabalhos que exijam esforço físico maior. Considerando o contato direto com o paciente e o seu sofrimento, além da realização de tarefas burocráticas, é fácil constatar a importância da boa qualidade de vida dos técnicos da área de saúde para um ambiente hospitalar saudável e para o bom atendimento prestado aos pacientes. Portanto mostrase fundamental que esses profissionais mantenham uma boa condição técnica e um bom controle de seu próprio stress, de modo a influir positivamente no clima hospitalar. Para tanto é fundamental que se conheça a realidade vivida por esses profissionais na instituição em que trabalham para que trabalhos sejam implantados para colaborar positivamente no clima hospitalar e na qualidade do atendimento aos usuários. Em consonância com o acima exposto, o presente estudo visou investigar a presença de stress nos técnicos da área de saúde da PNNSG, a fase do stress em que se encontravam os estressados e verificar, nesses, a predominância de sintomas de stress, físicos ou psicológicos. Além disso, os resultados encontrados serviram de base para que trabalhos fossem sugeridos no sentido de buscar uma melhoria da qualidade de vida desses profissionais e, conseqüentemente, um bom desempenho profissional e interpessoal, do clima e da produtividade hospitalar, assim como da manutenção do bom atendimento aos pacientes da instituição.


Para saber mais: http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v23n4/v23n4a07.pdf

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