Lúcia Emmanoel Novaes MALAGRIS
Aurineide Canuto Cabraíba FIORITO
Resumo
O objetivo deste estudo foi avaliar o nível de stress dos técnicos da área de saúde da Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória,
localizada no Rio de Janeiro. Participaram 34 técnicos de diversos setores, sendo 29 militares e cinco civis, 28 mulheres e 6
homens. Foram utilizados um questionário elaborado pelas autoras e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp.
Verificou-se que 82,3% dos participantes encontravam-se estressados, estando 76,9% na fase de resistência e 23% na fase de
quase-exaustão e havendo predominância de sintomas psicológicos (69,2%). Encontrou-se 83% de mulheres estressadas e 66,6%
de homens. É possível que o stress desses profissionais esteja associado ao fato de trabalharem junto ao público, em contato com
o sofrimento alheio e realizarem, além de atividades técnicas, atividades burocráticas e, muitas vezes, militares. Sugerem-se
estudos mais aprofundados com número maior de participantes e implantação de programas de controle do stress a fim de se
obter melhoria na qualidade de vida.
Palavras-chave: saúde; stress; técnicos.
O stress excessivo tem sido considerado um dos
principais problemas do mundo moderno, sendo tema
de interesse da Organização Mundial da Saúde. Pode
interferir na qualidade de vida do ser humano, levando-
-o a uma série de prejuízos (Lipp & Malagris, 2004):
problemas de interação social, familiar, falta de
motivação para atividades em geral, doenças físicas e
psicológicas, além de problemas no trabalho (Lipp,
2004a). Estudos na área do stress ocupacional têm sido
realizados nos diversos campos de atuação profissional,
tais como: empresarial, educacional, industrial e da
saúde
Na área da saúde uma das profissões que vem
sendo estudadas é a de técnico, por ser considerada de
fundamental importância no contexto hospitalar,
facilitando ou dificultando a relação do paciente com
sua doença, com os profissionais e com a instituição
(Ernst, Messmer, Franco & Gonzalez, 2004; Evans, 2002;
Evans & Kelly, 2004). É primordial, portanto, que esse
profissional se encontre em condições físicas e psicológicas
favoráveis para que possa contribuir positivamente
nesse sentido. Dentre os fatores que podem
influenciar negativamente tais condições está o stress
excessivo, o que justifica o estudo aqui realizado.
O objetivo foi avaliar o nível de stress dos técnicos
da área de saúde que atuam na Policlínica Naval Nossa
Senhora da Glória, localizada no Rio de Janeiro, além de
fazer sugestões que possam contribuir para uma
melhoria da qualidade de vida e da atuação desses
profissionais, com conseqüentes ganhos para o paciente
e para a instituição.
Stress
Os primeiros estudos sobre stress na área da
saúde foram realizados na década de 1930, por Hans
Selye, que definiu a reação do stress como uma “síndrome
geral de adaptação” na qual o organismo visa readquirir
a homeostase perdida diante de certos estímulos.
Segundo Lipp e Malagris (1995), Selye (1974) redefiniu o
termo stress como “resposta não específica do corpo a
qualquer exigência”.
O stress tem sido objeto de estudo de muitos
pesquisadores da área da saúde, já que existe uma
preocupação com as conseqüências que ele pode trazer
para a qualidade de vida do ser humano (Lipp & Malagris,
2004; Straub, 2005). O stress se constitui um processo
que contribui para a adaptação do organismo perante
situações de risco (Lipp & Malagris, 1995), logo, em si,
não é um problema e sim uma solução, no entanto,
quando excessivo, esse processo de adaptação pode se
transformar em um risco para o indivíduo.
O stress pode ser definido como: “uma reação do
organismo, com componentes físicos e/ou psicológicos,
causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem
quando a pessoa se confronta com uma situação que,
de um modo ou de outro, a irrite, amedronte, excite ou
confunda, ou mesmo que a faça imensamente feliz” (Lipp
& Malagris, 2001, p.477).
Parece difícil entender porque uma situação
agradável pode provocar stress e desencadear uma série
de reações psicofisiológicas, como se fossem eventos
ruins. A explicação está relacionada à necessidade de
adaptação que é experienciada em momentos de
mudança para melhor ou para pior. Além da importância
da adaptação às mudanças, é importante também
considerar a interpretação que se dá aos eventos (Lazarus
& Folkman, 1984). Em geral, os eventos não são em si
estressantes ou não, o que vai determinar essa condição
é o modo como são interpretados (Straub, 2005). As
interpretações estão relacionadas com as experiências
de vida de cada um (Lipp & Rocha, 1996).
Fases do stress
Os estudos de Selye (1965) o levaram a concluir
que o processo do stress é constituído de três fases: alerta,
resistência e exaustão. A primeira fase - alerta - acontece
no momento em que a pessoa se depara com a fonte
estressora e, nesse enfrentamento, se desequilibra
internamente, apresentando sensações características,
tais como sudorese excessiva, taquicardia, respiração
ofegante e picos de hipertensão. A segunda fase - resistência
- caracteriza-se por uma tentativa de recuperação
do organismo após o desequilíbrio sofrido na fase
anterior. Nesse momento ocorre um gasto de energia
que pode ocasionar cansaço excessivo, problemas de
memória e dúvidas quanto a si próprio (Lipp & Malagris,
2001). Caso o equilíbrio não seja readquirido por meio
dessa mobilização, o processo pode evoluir para a
terceira fase - exaustão -, quando ressurgem sintomas
ocorridos na fase inicial, no entanto com maior agravamento.
Importante ressaltar que na fase de exaustão
ocorre um grande comprometimento físico que se
manifesta em forma de doenças (Lipp & Novaes, 1996).
Convém salientar que apesar de Selye ter
identificado apenas as três fases de stress citadas, Lipp
(2000; 2003) em estudos posteriores identificou, clínica
e estatisticamente, uma quarta fase do stress denominada
de quase-exaustão, localizada entre as fases de
resistência e exaustão. A fase de quase-exaustão ocorre
no momento em que a pessoa não mais consegue
adaptar-se ou resistir ao estressor, podendo começar o
aparecimento de doenças devido ao enfraquecimento
do organismo. Nessa fase a produtividade do indivíduo encontra-se bastante comprometida, mas não tanto
quanto na fase de exaustão, quando ele já não consegue
produzir, tendo sérias dificuldades de trabalhar e/ou
concentrar-se e doenças podem se estabelecer de
maneira grave (Lipp, 1998; Lipp, 2004c; Lipp & Malagris,
2001).
Fontes de stress
As fontes de stress são os estressores, definidos
por Lipp e Rocha (1996, p.64) como “qualquer evento
que confunda, amedronte ou excite a pessoa”. Tais
eventos são estímulos que podem ser de origem interna
ou externa ao indivíduo. Segundo Lipp e Malagris (1995,
p.280), os estímulos internos são: “tudo aquilo que faz
parte do mundo interno, das cognições do indivíduo,
seu modo de ver o mundo, seu nível de assertividade,
suas crenças, seus valores, suas características pessoais,
seu padrão de comportamento, suas vulnerabilidades,
sua ansiedade e seu esquema de reação à vida”.
Já os estímulos externos se referem aos acontecimentos
da vida da pessoa, tais como: dificuldades
financeiras, acidentes, mortes, doenças, conflitos,
questões político-econômicas do país, ascensão
profissional, desemprego e problemas de relacionamento
no trabalho (Lipp & Malagris, 1996; 2001).
A associação entre os estímulos internos e
externos, além das estratégias de enfrentamento do
indivíduo, vai determinar se ele vai desenvolver stress
excessivo ou não. A interpretação inadequada dada aos
eventos é um dos principais fatores contribuintes para
o desenvolvimento do stress excessivo (Lazarus &
Folkman, 1984; Straub, 2005). No entanto alguns
acontecimentos são intrinsecamente estressantes, tais
como calor, frio, fome e dor (Everly, 1989).
Sintomas do stress
O Inventário de Sintomas de Stress para Adultos
de Lipp (Lipp, 2000, 2004b) nos proporciona a
identificação da sintomatologia apresentada pelo
paciente, verificando a presença ou não de sintomas de
stress, o tipo presente (somático ou psicológico) e em
qual fase do stress se encontra o indivíduo. Esse inventário
tem embasamento nos princípios de Selye, sendo de
grande importância no nível clínico, uma vez que
possibilita um diagnóstico rápido de stress, proporcionando
uma ação terapêutica imediata (Lipp, 2004b;
Lipp & Malagris, 1995; 2001).
Embora existam sintomas comuns no stress que
também estão presentes em outras doenças, é de
grande valia mencionar alguns sinais comumente
presentes em quadros de stress. Alguns dos sintomas de
stress são de fácil identificação (respiração rápida,
sudorese palmar, taquicardia, hiperacidez gástrica,
inapetência, cefaléia), outros são mais sutis (dificuldade
de relacionamento interpessoal, sensação de estar
doente sem presença de distúrbio físico, desinteresse
por qualquer atividade não relacionada ao motivo
causador do stress) (Lipp & Malagris, 2001).
O stress, por meio da interação entre corpo e
mente, provoca reações hormonais que desencadeiam
no corpo notáveis modificações físicas e emocionais
tão interligadas que, freqüentemente, o que é de origem
psicológica se manifesta no corpo ou vice-versa.
Emocionalmente, o stress é capaz de produzir uma série
de sintomas, tais como apatia, depressão, desânimo,
sensação de desalento, hipersensibilidade emotiva, raiva,
ira, irritabilidade e ansiedade, além disso, pode, em
pessoas predispostas, ter o potencial para o desencadeamento
de surtos psicóticos (Lipp & Novaes, 1996).
Os sintomas descritos acima quando fazem parte
de um quadro de stress desaparecem no momento em
que ocorre a redução do stress para níveis toleráveis.
O stress não apenas desencadeia os sintomas
descritos acima, mas contribui também para a etiologia
de diversas doenças de maior gravidade (Straub, 2005).
Estudos revelam que o nível de stress em que se encontra
uma pessoa afeta diretamente sua qualidade de vida
afetiva, social, profissional e sua saúde. O stress está
presente na ontogênese de várias doenças já estudadas,
seja como um fator contribuinte, seja como o desencadeador;
dentre elas, podemos citar: hipertensão arterial
essencial, retração das gengivas, úlceras gastroduodenais,
colite ulcerativa, câncer, psoríase, vitiligo,
lúpus, obesidade, depressão, pânico, surtos psicóticos,
tensão pré-menstrual, cefaléia, herpes simples, doenças
imunológicas, doenças respiratórias (Lipp & Malagris,
1995).
É importante assinalar que o stress não é a causa
das doenças, mas a ação agravante ou desencadeadora
da doença (Malagris, 2004a).
Conseqüências do stress excessivo
Importante ressaltar as possíveis conseqüências
para a vida do indivíduo vítima de stress excessivo.
Especialmente importante é considerar as conseqüências
do stress para as mulheres que em vários
estudos realizados (Lipp & Malagris, 2004) revelam-se
mais estressadas do que os homens. Como enfatizam
Lipp e Malagris (2001), altos níveis de stress podem
influenciar negativamente o bem-estar físico e
emocional das pessoas. Tais influências podem gerar
problemas de ajustamento social, familiar/afetivo, de
saúde e profissional.
No que se refere a aspectos sociais, observa-se,
de acordo com Santos e Rocha (2003), uma tendência
ao isolamento do indivíduo do contato humano, além
de conflitos interpessoais. Quanto às conseqüências
familiares verifica-se que as reações do stress do indivíduo
podem contribuir para a saúde física e mental de todos
os membros da família (Tanganelli, 2001).
Na área da saúde é possível verificar uma variedade
de doenças que podem ser desencadeadas a partir
de um stress excessivo. Tais doenças são decorrentes
das alterações psicofisiológicas que ocorrem e são
associadas às predisposições individuais (Lipp & Malagris,
2001). No que se refere às conseqüências na área
profissional, observa-se absenteísmo, atrasos, desempenho
insatisfatório, queda da produtividade, problemas
de relacionamento (Fontana, 1994; Santos & Rocha, 2003).
Como anteriormente mencionado, o stress vai
se desenvolver ou não como conseqüência da relação
entre os estímulos internos, externos e das estratégias
do indivíduo. Tais estratégias podem já fazer parte do
repertório comportamental e cognitivo da pessoa, no
entanto nem sempre isso ocorre. Muitas vezes é preciso
desaprender maus hábitos e aprender novos valores,
novos modos de pensar e enfrentar a vida, buscando
uma visão mais positiva. Lipp, Romano, Covolan e Nery
(1987); Lipp e Malagris (2001) e Lipp (2004b) sugerem
que o indivíduo aprenda a reavaliar os estressores a fim
de que possa interpretá-los de modo mais otimista e
realista, além de aumentar a resistência pessoal aos
estressores.
O técnico da área de saúde e o stress
O stress pode estar presente em profissionais de
diversas áreas, o que é estudado pela designação de
stress ocupacional. Martins et al. (1996) enfatizam que o
stress ocupacional se refere a um desconfortável estado
emocional decorrente de fatores presentes no trabalho
e é caracterizado por sintomas como tensão, ansiedade
e sentimentos de frustração, podendo chegar à
exaustão emocional. Além desses sintomas, Mello (1992)
enfatiza pessimismo, insatisfação crescente, falhas e
ineficiência.
Segundo Martins et al. (1996), se as necessidades
tanto individuais como organizacionais presentes no
ambiente de trabalho não forem satisfeitas, podem
ocorrer problemas de adaptação variados, incluindo
conflitos associados a necessidades opostas de ambos
os lados. Dentre os problemas que podem surgir, os
autores sugerem: desligamento da empresa, perda de
promoções ou o isolamento na carreira (Malagris, 2004b).
Convém enfatizar que conflitos relacionados à liderança
autoritária ou falta de autoridade, incompatibilidades,
limites não muito claros, desumanização no trabalho,
mecanização e burocratização, pressões e excesso de
trabalho podem contribuir para insatisfações individuais
e falta de realização pessoal e profissional.
Martins et al. (1996, p.4) se referem a alguns
indicadores para detecção de pessoas com
comprometimento em seu desempenho profissional,
tais como:
...queda de eficiência, ausências repetidas, insegurança
nas decisões, sobrecarga voluntária de
trabalho, aumento do consumo de cigarros, bebidas,
alimentos e drogas, uso abusivo de medicamentos
ou agravamento de doenças.
Embora pareça claro que todas as profissões são
passíveis de contribuir para o desenvolvimento do stress
ocupacional, os técnicos da área de saúde podem ser
bastante vulneráveis devido às suas atribuições. Eles
podem atuar em diversas especialidades e em diversos
setores, incluindo: enfermagem (em várias especialidades
médicas), reabilitação e laboratório. Tanto os
técnicos que atuam em enfermarias (Gómez et al., 2005)
como os que atuam nos demais setores de um hospital
estão em contato com muitos estímulos que podem
ser vistos como estressores, tais como: o sofrimento
alheio, sentindo-se, muitas vezes, impotente; falta de
adesão ao tratamento por parte de alguns pacientes;
convívio com o stress do paciente, da família, dos demais
profissionais de saúde e com o seu próprio, sem que,
muitas vezes, esteja devidamente preparado para isso.Martins et al. (1996) mencionam o estudo de
Candeias, realizado em 1992, sobre o stress de atendentes
de enfermagem, que concluiu que os principais
estressores desses profissionais seriam: dificuldade de
execução de tarefas (trabalho não planejado, trabalhar
sempre no mesmo local); dificuldades de relacionamento
interpessoal; falta de tempo (ter atividades
cansativas depois do horário de trabalho, fazer plantões
nos finais de semana, ter acúmulo de atividades
havendo prejuízo no atendimento ao paciente);
supervisões incompetentes (ser avaliado negativamente
e não ter aspectos positivos de sua atuação valorizados);
distância entre domicílio e local de trabalho; angústia
devido à dor dos pacientes; insegurança financeira e ser
responsável por pessoas. Tudo isso pode levar a um
prejuízo na qualidade de vida do profissional de
enfermagem contribuindo para doenças variadas.
Reis (1986), num estudo sobre esses profissionais,
especialmente sobre o auxiliar de enfermagem e o
atendente hospitalar, enfatiza que, como conseqüência
dos problemas de saúde desses profissionais, há
dificuldade de manter a qualidade da assistência de
enfermagem prestada ao hospital devido ao
absenteísmo, às limitações no desempenho das funções,
além de restrições em trabalhos que exijam esforço físico
maior.
Considerando o contato direto com o paciente
e o seu sofrimento, além da realização de tarefas
burocráticas, é fácil constatar a importância da boa
qualidade de vida dos técnicos da área de saúde para
um ambiente hospitalar saudável e para o bom
atendimento prestado aos pacientes. Portanto mostrase
fundamental que esses profissionais mantenham uma
boa condição técnica e um bom controle de seu próprio
stress, de modo a influir positivamente no clima
hospitalar. Para tanto é fundamental que se conheça a
realidade vivida por esses profissionais na instituição
em que trabalham para que trabalhos sejam
implantados para colaborar positivamente no clima
hospitalar e na qualidade do atendimento aos usuários.
Em consonância com o acima exposto, o
presente estudo visou investigar a presença de stress
nos técnicos da área de saúde da PNNSG, a fase do stress
em que se encontravam os estressados e verificar, nesses,
a predominância de sintomas de stress, físicos ou
psicológicos. Além disso, os resultados encontrados
serviram de base para que trabalhos fossem sugeridos
no sentido de buscar uma melhoria da qualidade de
vida desses profissionais e, conseqüentemente, um bom
desempenho profissional e interpessoal, do clima e da
produtividade hospitalar, assim como da manutenção
do bom atendimento aos pacientes da instituição.
Para saber mais: http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v23n4/v23n4a07.pdf
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