Por Helena Bonetti
Quando a área de RH é inquirida sobre o tema cultura, a resposta costuma vir em forma de silêncio ou na postura defensiva de que conhece bem sua cultura e que tem programas e planos para protegê-la e disseminá-la junto aos colaboradores e a liderança. Mas o ponto aqui não é o nível de conhecimento do RH quanto ao tema cultura, mas a sua usabilidade em termos estratégicos, de mudança e geração de valor.
Mudanças e planos são criados e implantados diariamente numa organização. Em quase 80% delas o RH não é convidado a participar por não ser considerado especialista-fim daquela área ou de domínio técnico em questão. Nestes planos de mudança processos são alterados, estruturas modificadas (nestes casos o RH é consultado e em muitas vezes simplesmente informado) e todo o "plano estratégico" parece que corre às mil maravilhas.
Gestores das linhas de frente de projeto, diretores e presidente vão dormir tranquilos, crentes que a primeira fase de implantação correu como o planejado. Como se Mintzberg, renomado acadêmico e um dos principais estudiosos organizacionais, não tivesse alertado que planos não são eternos, nascem para serem refeitos e que só assim garantem a estratégia.
O dia amanhece (numa linguagem figurada) e o que se começa a observar é o já previsto por Peter Drucker, quando sentenciou: “A cultura come a estratégia no café da manhã”.
Os processos podem não estar sendo bem executados, o nível de crença das pessoas já não aparenta ser o mesmo, redes de relacionamento começam a minar o projeto já não externando mais os benefícios e a estrutura desenhada parece não se comportar de forma adequada diante dos novos processos.
Um cenário de change management (gerenciamento de mudanças)? Talvez sim, mas no fundo o que trago à tona é o cenário real e diário da governança de qualquer organização. Por mais que nos ocupemos de processos, estruturas, tecnologias, produção, etc, alguns elementos fundamentais devem ser observados constantemente para se fazer gestão em qualquer organização, em qualquer nível ou situação.
Seja a simples reengenharia de um setor administrativo, a mudança do sistema de competências, a substituição do modelo de avaliação de desempenho ou de remuneração, em todos estes aspectos deve caber um olhar atento sobre a cultura de gestão da organização. Mais ainda, a sua cultura, suas pessoas e suas redes de relacionamento.
O professor e especialista em gestão da mudança Eric Abrahamson, em seu livro Mudança Organizacional, desenhou um gráfico circular com o qual podemos compreender com clareza os cinco elementos determinantes para a mudança: processos, estrutura, pessoas, redes e cultura. Abrahamson sentenciou que esta última teria um papel fundamental em todo o processo de gestão e mudança.
Kim Cameron e Robert Quinn, após anos de pesquisa sobre mudança, souberam diagnosticar por meio do instrumento Competing Values Framework que as culturas de forma geral podem ser classificadas em quatro tipos determinados e complementares.
Uma delas, com a característica principal de colaborar, seria a cultura clã, onde seus membros têm como base um forte relacionamento, a autoproteção e a conservação de seus costumes. A segunda, próxima a esta, exibindo também uma visão interna, é a cultura hierárquica, com função de controle fortemente caracterizada por um vínculo a processos, regras e controles.
De forma oposta temos a cultura adhocratica, sem controle, mas cuja função é a inovação, cultura caracterizada pela autonomia de seus indivíduos, com forte viés na cocriação e na geração de mudanças. E, por último, uma cultura que facilmente percebemos quando vivemos num ambiente de consumo capitalista: a cultura de mercado, cuja característica principal é competir, e na qual seus membros se orientam ao mercado, com forte foco no resultado, nos ganhos e em vencer a concorrência.
Posto isso, podemos pensar: muito bem, mas qual é a utilidade para o RH saber que está lidando com este ou aquele tipo de cultura na empresa? A resposta é simples: na teorização dos planos ele poderá apoiar a construção de programas factíveis de estratégias que caibam nesta ou naquela cultura. Ou que possam gradativamente promover uma transição até o estado e o objetivo ideal.
Esta também é a grande arma do RH para sentar-se à mesa da estratégia e posicionar o que é factível ou não em termos de fusões ou transferências, de planos de transformação da liderança e de apoio à estratégia da governança e acionistas.
Mas se temos conhecimento técnico sobre o tema, se dispomos de instrumentos, ferramentas e especialistas sobre cultura, por que os planos e estratégias das organizações e dos RHs continuam sendo os mesmos, sem observar estas máximas?
Usando meu conhecimento como especialista, a resposta pode ser resumida em apenas uma palavra: cultura. Talvez alguns modelos mentais ainda não permitam que mudem. Mas os que ousarem mudar serão agraciados no café da manhã!
Fonte: http://www.gestaoerh.com.br/site/destaques/?id=17