A busca por explicações sobre a personalidade parece ter mobilizado as mais diversas áreas do conhecimento humano desde sempre e a tendência em classificar pessoas é tão antiga quanto a humanidade.
Ninguém, absolutamente ninguém, deixa de classificar as pessoas que conhece, ainda que intimamente, involuntariamente e até inconscientemente. Todos nós temos uma espécie de arquivo subjetivo das pessoas que julgamos explosivas, simpáticas, sensíveis, desleais, preocupadas, ansiosas, mentirosas, amorosas e assim por diante.
Um dos aspectos da tendência universal de classificar os outros se baseia em traços da personalidade. Hipócrates começou com essa tendência classificatória através de sua teoria dos quatro humores corporais - sangue, fleuma, bile branca e bile negra – segundo a qual, a predominância de qualquer um desses quatro humores caracterizaria o temperamento das pessoas, bem como a inclinação para determinadas doenças.
Baseado na teoria de Hipócrates, Cláudio Galeno (131-200 DC), em sua monografia "De Temperamentis" desenvolveu a primeira tipologia do temperamento. Descreveu quatro temperamentos básicos (que se desdobravam em nove e não vêm ao caso aqui): sanguíneo, bilioso ou colérico, melancólico e fleumático.
Immanuel Kant (1724 – 1804), mil e quinhentos anos depois, aprimorou as características dos quatro tipos de temperamento citados por Galeno. O tipo sangüíneo é caracterizado pela força, rapidez e emoções superficiais. O tipo melancólico, designado pelas emoções intensas e vagarosidade das ações. O tipo colérico, rapidez e impetuosidade no agir e o fleumático, caracterizado pela ausência de reações emocionais e vagarosidade no agir.
AMBIENTE, GENÉTICA E PERSONALIDADE
Mas como se forma a personalidade humana? O que é mais importante na formação e desenvolvimento da personalidade? Essas questões acompanham a curiosidade humana desde tempos imemoráveis. Atualmente, embora a dúvida continue, já podemos refletir baseados em hipóteses bastante interessantes.
O indivíduo como se encontra aqui-e-agora é, indubitavelmente, um produto daquilo que ele trouxe ao mundo com aquilo que o mundo fez com ele, em outras palavras, o sujeito é uma combinação de seu genótipo com as influências do ambiente sobre esse genótipo.
Entre tantas tendências destaca-se um tronco ideológico segundo o qual os seres humanos seriam criados iguais quanto sua capacidade potencial. Neste caso, a ocorrência das diferenças individuais seria interpretada como uma decisiva influência ambiental sobre o desenvolvimento da personalidade.
De acordo com tal enfoque, havendo no mundo uma hipotética igualdade de oportunidades, seríamos todos iguais quanto as nossas realizações, já que, potencialmente seríamos iguais. Assim pensando, se a todos fossem dadas oportunidades iguais, como por exemplo, oportunidade musical ou artística, seria impossível destacar-se um Chopin, Mozart, Monet, Rembrandt, porque a potencialidade de todos seus colegas de classe seria a mesma. A única diferença entre Einstein e os demais teria sido uma simples questão de oportunidade e circunstâncias ambientais.
Neste caso a personalidade, a inteligência, a vocação e a própria doença mental seriam questões exclusivamente ambientais.
Buscando um meio termo, como apelo ao bom senso, pode-se considerar a totalidade do ser humano como sendo um balanço entre, no mínimo, duas porções que se conjugam de forma a produzir a pessoa tal como é: uma natureza biológica, tendo por base nossa natural submissão ao reino animal e às leis da biologia, da genética e dos instintos, e uma natureza existencial, suprabiológica e que transcende o animal que repousa em nós.
A pessoa, ser único e individual, distinto de todos outros indivíduos de sua espécie, traduz a essência de uma peculiar combinação bio-psico-social.
Pensando assim, os genes herdados se apresentam como possibilidades variáveis de desenvolvimento em contacto com o meio e não como certeza inexorável de desenvolvimento. Sensatamente, o ser humano não deve ser considerado nem exclusivamente ambiente, nem exclusivamente herança, antes disso, uma combinação destes dois elementos em proporções completamente insuspeitadas.
O ser humano não deve ser considerado um produto exclusivo de seu meio, tal como um aglomerado dos reflexos condicionados pela cultura que o rodeia e despido de qualquer atributo mais nobre de sentimentos e vontade própria. Não pode, tampouco, ser considerado um punhado de genes, resultando numa máquina programada a agir desta ou daquela maneira, conforme teriam agido exatamente os seus ascendentes biológicos.
Seguindo essa ideia a definição de Personalidade poderia ser esboçada da seguinte maneira:
"PERSONALIDADE É A ORGANIZAÇÃO DINÂMICA DOS TRAÇOS NO INTERIOR DO EU, FORMADOS A PARTIR DOS GENES PARTICULARES QUE HERDAMOS, DAS EXISTÊNCIAS SINGULARES QUE EXPERIMENTAMOS E DAS PERCEPÇÕES INDIVIDUAIS QUE TEMOS DO MUNDO, CAPAZES DE TORNAR CADA INDIVÍDUO ÚNICO EM SUA MANEIRA DE SER, DE SENTIR E DE DESEMPENHAR O SEU PAPEL SOCIAL".
O "EU" como personalidade
O "eu" é o ser total, essencial e particular da pessoa. Freqüentemente usado como sinônimo de personalidade, o “eu” diz respeito ao indivíduo e sua consciência do mundo e de si próprio, ou seja, a consciência da própria identidade e da realidade.
Na abordagem do "eu" importa o aspecto dinâmico da personalidade, portanto, as representações internas que a pessoa tem sobre a realidade externa, ou seja, as relações entre o sujeito e o objeto ou, em outras palavras, entre a pessoa e o mundo.
Enquanto a análise dos traços é uma tarefa prática, de observações objetivas sobre como é a pessoa, a avaliação sobre o "eu" é mais subjetiva, mais psicodinâmica.
As características da personalidade baseadas no “eu” dizem respeito não apenas ao modo como a pessoa se apresenta no mundo, conforme se vê em relação aos traços, mas à maneira como a pessoa sente o mundo e interage com ele. Enquanto os traços refletem mais o lado biológico da personalidade, o “eu” representa mais o aspecto afetivo da pessoa.
Muitos autores discorrem sobre esta forma de avaliação da personalidade. Entre eles, Jung vê dois tipos de Disposição Pessoal pelas quais os indivíduos se caracterizarão no contacto com o mundo objectual:
1- a maneira introvertida e;
2- a maneira extrovertida.
Além destas duas disposições básicas, Jung reconhece ainda quatro funções associadas a elas: função pensamento, sentimento, sensação e intuição.
Desta forma, o indivíduo pode ser considerado do tipo introvertido pensativo, ou sensitivo extrovertido e assim por diante. Pela tipologia psicológica de Jung oito tipos psicológicos puros são possíveis, mas, normalmente, cada pessoa dispõe de duas funções predominantes, como por exemplo, o tipo extrovertido intuitivo-sentimental. Em sua obra Tipos Psicológicos este assunto é abordado detalhadamente e apresentado de maneira mais fácil do possa parecer nesse exemplo sumário.
Outros autores consideram a personalidade baseada no "eu" de maneira diferente. Entendem os indivíduos que contactuam a realidade de maneira introvertida através de uma descrição mais diversificada e atribuindo-lhes outros adjetivos: tristes, inseguros, melancólicos, de tonalidade afetiva depressiva, e assim por diante. Na realidade, entendendo os conceitos básicos das teorias da personalidade percebemos que as diferentes denominações são diferenças mais semânticas que ideológicas.
O Papel Social como personalidade
Este tipo de avaliação sobre a personalidade observa o papel das atitudes e comportamentos da pessoa inserida na estrutura social a qual pertence. As pessoas tendem adaptar-se aos papeis sociais a elas designados buscando satisfazer a expectativa que o sistema tem sobre tais “personagens”. As pessoas que encontram um padre pela frente têm expectativas comuns sobre como ele dever se comportar, da mesma forma que o doente tem expectativas diante de seu médico e este diante de seus clientes e assim por diante.
Todos desempenham muitos papeis sociais, cada um a seu tempo. Papel de criança pré-escolar, de criança escolar, de universitário, de enamorado, de profissional, de traído, de cúmplice, etc. Há papeis de pai, de filho, de chefe, de subalterno, enfim, estamos sempre a desempenhar algum papel social. Às vezes temos que desempenhar vários papéis sociais ao longo do dia.
Jung chama de Persona esta nossa apresentação social.
A palavra persona, de origem grega, significa máscara, ou seja, caracteriza a maneira pela qual o indivíduo vai se apresentar no palco da vida em sociedade. Portanto, diante do palco existencial cada um de nós ostenta sua persona, mas há, porém, uma respeitável distância entre o papel social do indivíduo e aquilo que ele realmente é, ou entre aquilo que ele pensa ou pensam que é e aquilo que ele é de fato.
Na realidade, considerar a personalidade através dos papeis sociais pode não refletir a verdadeira natureza da pessoa. A avaliação mais objetiva seria através dos traços, indicativos de como a pessoa é. A avaliação mais subjetiva se dá através do “eu”, indicativo de quem é a pessoa e os papeis sociais mostram a capacidade de adaptação da pessoa.
Para ler mais: http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=131