Por Sandra Regina da Costa Saar & Maria Auxiliadora Trevizan
Fundamentado na teoria de papéis, este estudo buscou investigar a visão que os profissionais de uma equipe de saúde têm a respeito do papel desempenhado por seus companheiros de equipe. Entrevistou-se 39 profissionais de saúde: 1 nutricionista, 2 psicólogos, 2 enfermeiros, 3 fisioterapeutas, 4 farmacêuticos, 10 dentistas, e 17 médicos. Os resultados indicaram que os informantes consideram que o trabalho em equipe divide a responsabilidade, aliviando o estresse; é uma forma de aprendizado; indicam também que as expectativas quanto aos papéis profissionais não são claras e que a maioria dos informantes tem pouco conhecimento a respeito do papel profissional dos companheiros de equipe. Os papéis profissionais descritos com mais clareza foram os de médico, enfermeiro e farmacêutico. O mais obscuro é o do psicólogo.
INTRODUÇÃO
Na tentativa de resgatar historicamente a origem da equipe de saúde como se conhece hoje, retrocede-se no tempo e consegue-se delinear três modelos de “equipe de saúde”(1) que atuavam a partir do século XVIII. Cada um com características distintas, mas com algo de similar: a preocupação com o estado de saúde da população. Ressalta-se que o autor não menciona o termo “equipe de saúde”, mas, ao descrever as etapas de formação da medicina social, possibilita a visão de uma equipe que trabalha em prol ou em nome da saúde. São elas, como indicadas. - Medicina de Estado, desenvolvida na Alemanha no começo do século XVIII, sobre a qual se pode delinear uma “equipe de saúde” constituída por médicos, organização administrativa central que supervisionava e dirigia o trabalho médico e funcionários médicos nomeados pelo governo. - Medicina Urbana, desenvolvida na França, nos fins do século XVIII, na qual se pode vislumbrar uma “equipe de saúde” constituída por médicos, químicos e físicos. - Medicina da Força de Trabalho, desenvolvida na Inglaterra, no segundo terço do século XIX, sobre a qual se delineia uma “equipe de saúde” constituída por médicos que se ocupavam dos pobres, médicos que se ocupavam de problemas gerais como as epidemias e médicos privados que se ocupavam de quem os podia pagar. Verificou-se que é no século XVIII, com o surgimento do Hospital, como local de cura e não mais como morredouro e com a medicalização e disciplinarização do espaço hospitalar, que se pode visualizar o surgimento da “equipe de saúde”, termo mais familiar, hoje em dia. Essa “equipe de saúde” está presente no ritual da visita médica, que é seguida por toda a hierarquia do hospital, qual seja, assistentes, alunos, enfermeiras e outros. Considerar-se-á que, a partir desse evento, a equipe de saúde se constituiu(1). Essas modalidades de “equipes de saúde” descritas guardam poucas semelhanças com as equipes de saúde com as quais se convive hoje. É mais familiar ver uma equipe constituída por médicos, enfermeiros, outros profissionais da enfermagem, psicólogos, nutricionistas, dentistas, fisioterapeutas, farmacêuticos e assistentes sociais, comumente denominada equipe multiprofissional ou interdisciplinar de saúde. A multiprofissionalidade é considerada uma estratégia que orienta e possibilita a realização de assistência integral. Erroneamente, confunde-se com interdisciplinaridade. A primeira retrata uma justaposição de diversas disciplinas e cada profissional atuará de acordo com o seu saber especializado; o processo terapêutico é fragmentado. A segunda implica na interação entre duas ou mais disciplinas, sendo que essa interação se reflete na integração de conceitos-chave, na epistemologia e na organização da pesquisa e do ensino(2 - 3). Os primeiros trabalhos multiprofissionais surgiram nas décadas de 1930/40 e estavam ligados à área de saúde mental. Na década de 1960 houve incremento quantitativo na força de trabalho em saúde. Esses fatos decorreram de proposta de humanização da atenção ao doente mental, do aumento da demanda por serviço de saúde e da incorporação de tecnologias cada vez mais complexas(2 - 3). Para realizar o presente estudo, partiu-se de alguns pressupostos, quais sejam o indivíduo desempenha inúmeros papéis no sistema social em que está inserido, dentre esses encontram-se os papéis profissionais; o papel que um indivíduo desempenha é delineado de acordo com os papéis desempenhados pelos outros presentes no sistema social de referência; a definição da situação representada por um determinado participante é parte integral de uma representação alimentada e mantida pela cooperação de mais de um participante da equipe; cada um dos participantes desse grupo ou equipe dá sua própria definição do papel que desempenha; a equipe é um grupo de indivíduos que cooperam na realização de uma rotina particular, de uma tarefa; há vínculo de dependência recíproca unindo os membros da mesma equipe aos outros (4-5). Considerando esses pressupostos, buscou se investigar a visão que os profissionais de uma equipe de saúde têm a respeito do papel desempenhado por seus companheiros de equipe.
DISCUSSÃO
Alguns autores(7-12) se dedicaram ao estudo do tema em questão. Um desses (7) dedicou-se especificamente ao estudo do atendimento multiprofissional ao paciente hipertenso, apontando uma definição clara do papel exercido por cada profissional, dada pela própria especificidade de cada um e referindo que algumas das ações dentro da equipe são óbvias. Neste estudo, constatou-se o oposto: os membros da equipe de saúde conhecem pouco sobre os papéis profissionais de seus companheiros de equipe. Tal fato evidencia que não se tem expectativas claras quanto ao que cada profissional deva/possa fazer nessa equipe e nem clareza quanto à maneira como um profissional poderia complementar o trabalho do outro. O entrosamento entre os membros de uma equipe tem relação direta com as metas da instituição na qual trabalham e com o tipo de tarefa que se propõem desenvolver(8). É essa relação que “define” os objetivos e os obstáculos com os quais a equipe se depara. A equipe aqui investigada está inserida em uma organização militar. Inferiu-se que o contexto comum a essas instituições (hierarquia, priorização das atividades militares) possa ter influenciado nos dados obtidos, embora todos os entrevistados exercessem também atividades em outras organizações de saúde. Ficou evidente que, dentre os profissionais da equipe multidisciplinar, o que tem seu papel delimitado de forma mais clara é o médico. A seguir, aparecem o enfermeiro e o farmacêutico. O psicólogo é o profissional cujo papel é o mais “obscuro”. Foi referido seu apoio ao paciente e à família durante a internação, bem como à equipe. Contudo, não fica explícito nas falas como esse apoio ocorre e qual seu significado. Apesar de o enfermeiro ser o segundo profissional com o papel melhor delimitado, há por parte dos sujeitos uma série de expectativas em torno de seu papel. Os médicos, em especial, esperam que ele se dedique mais ao cuidado, mas afirmam que ele é imprescindível na administração. Constatou-se que, embora considerados membros da equipe de saúde, os dentistas, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos foram apontados como muito distantes da equipe, por desenvolverem seu trabalho, na maior parte do tempo, em nível ambulatorial. O fato leva a pensar que o trabalho em equipe, na perspectiva dos informantes, se restringe ao cotidiano hospitalar. Ressalta-se que apenas três deles ampliaram sua visão para além dos hospitais. A situação evidencia e reforça uma prática de atenção à saúde hospitalocêntrica centrada num modelo biológicocurativo de intervenção terapêutica(3).
Para ler mais:http://www.scielo.br/pdf/rlae/v15n1/pt_v15n1a16.pdf
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